Belenenses x Atlético, dérbi de Lisboa ocidental


Isto não tem nada a ver com o que já se viu. Não é como a rivalidade Figo-Roberto Carlos. Não é nenhum Benfica-Sporting. E também não é como uma acesa discussão entre Capuletos e Montecchios do Romeu e Julieta. Este filme é diferente. De produção nacional. Bairrista. Em acção, duas equipas da zona ocidental de Lisboa que vivem o futebol de uma forma apaixonada e destravada, ao ponto de os adeptos das duas equipas não se poderem ver uns aos outros.

O Belenenses nasce em 1919 e passa alguns anos "descansado" da vida, só a tentar roubar protagonismo aos grandes Benfica e Sporting. Ganha um Regional de Lisboa (1926), um Campeonato de Portugal, antecessor da Taça de Portugal (1927). Segue-se mais um Regional (1929) e outro Campeonato de Portugal (1929). Depois um Regional (30) e outro (31) e por aí fora. No início dos anos 40, o Belenenses já é uma força nacional, um degrau abaixo de Benfica e Sporting mas acima de todos os outros, inclusive do FC Porto.

O Atlético nasce em 1942 e passa logo ao ataque, a tentar roubar protagonismo ao Belenenses. Ao seu vizinho, no fim de contas - afinal de Alcântara a Belém, é um eléctrico. A rivalidade começa em 1942 com o primeiro jogo entre eles para o Regional de Lisboa. O Belenenses despreza o suposto arqui-rival por 7-1 em casa e convence na Tapadinha por 2-0. Na época seguitne (43-44), e ainda para o Regional, mais duas vitórias dos azuis sem dó nem piedade: 3-0 fora e 8-2 nas Salésias. Até que chega o oitavo jogo, que eleva a rivalidade para um patamar nunca visto e jamais sentido. Para o campeonato nacional, o Atlético surpreende tudo e todos nas Salésias: três a um.

Uiii, a partir daqui pia fininho. O Sporting-Benfica é um dérbi, sim senhor. Daqueles apaixonados, mas é uma coisa de lordes da zona norte. O Belenenses-Atlético, não. É um caso (bem) mais sério, é o dérbi da Lisboa ocidental. Quem quiser ir ver o jogo, ao Restelo ou à Tapadinha, já sabe o que lhe espera em matéria de intensidade física e emocional.

Félix Mourinho, por exemplo, fala-nos desses jogos. "Como guarda-redes do Belenenses, há um aspecto que me salta imediatamente à memória. Da rivalidade com o Atlético. Aquilo era pesado [risos]. A uma semana do jogo, já se ouvia falar do dérbi, disto, daquilo. Uma vez, veja lá bem, o guarda-redes deles lesionou-se, o segundo guarda-redes também, teve de ir o extremo Candeias para a baliza e só ganhámos por 1-0. E de penálti."

Matateu e os aplausos Clássico é clássico e vice-versa, já dizia o outro. Com os dérbis, deve ser mais ou menos a mesma coisa. E o Belenenses-Atlético não foge à generalidade. Mesmo quando as duas equipas não competem na mesma divisão. Depois dos fulgurantes anos 40 (Belenenses campeão nacional em 1946 e convidado pelo Real Madrid para inaugurar o Santiago Bernabéu em 1947) e 50 (Belenenses e Atlético juntos na 1.ª divisão por oito épocas seguidas), a década de 60 divide os vizinhos.

O Belenenses continua na 1.ª divisão mas atravessa a maior crise de sempre. Financeira e desportivamente. O Atlético, esse, já não está entre os grandes nem sequer faz cócegas ao arqui-rival por falta de jogos entre eles. Até que... Vicente, fantástico Magriço do Mundial-66, tem um acidente de viação e é obrigado a abandonar a carreira. O Belenenses organzia uma festa com um torneio quadrangular. Ao Benfica-Sporting, segue-se o dérbi da Lisboa ocidental. Com um aliciante extra: Matateu, irmão de Vicente e glória do Belenenses durante 13 épocas a fio (1951-64), estava no Atlético. Será ele o único homem à face da Terra para fazer os adeptos azuis aplaudir um jogador de vermelho e branco? Isso é uma boa pergunta.

O Belenenses, que ganha 4-3, actua com José Pereira; Bernardino, Rodrigues (cap), Murça e Alberto Luís; Canário e Da Silva; Alfredo, Simões, Ivair e Godinho. O brasileiro Ivair é um reforço de última hora, contratado à Portuguesa dios Desportos, só para este jogo! Outros tempos... O Atlético responde com Ramin; Valdemar, João Carlos, Candeias (cap) e Roxo; Fagundes, Angeja e Vicente; Seminário, Cravo e Matateu.

Matateu é aplaudido, sim. Pelos seus adeptos. Os do Belenenses, claro. Que enchem o Restelo para homenagear Vicente e o irmão. Matateu entra em campo e marca pontos. Com aplausos e vivas. Depois marca golos. Dois! Na baliza, José Pereira, o famoso Pássaro Azul. Mas Matateu é Matateu. Grande, enorme. Que ultrapassa qualquer barreira. Até a da rivalidade do dérbi ocidental.

por Rui Miguel Tovar, Jornal i

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